5.2.07

Ave empalhada

O moto que empalha a ave
o intento que o movimenta
é de corrente rubra e sangrenta
refeito o cabo de uma trave

Estacado com meneios
perfura um vaso linfático
quando se ainda é extático
quando o lograr tem esteios

É quando há revoada
no ninho que está entre os seios
nas batidas ancoradas
põe-se a canga e os arreios

E há o vôo derradeiro
no que houve de mais leve
a pena, o ar, a neve
o flutuar dos isqueiros

Mas antes é ave empalhada
renegada à ataxia
uma outra moradia
no chão deliberada

Mas é antes ave parada
no céu que é de concreto
na abstração de um teto
de uma casa sepultada

Mas é antes pedra-luz
que nos olhos denuncia
um clamor feito a Maria
um pedido ao pai Jesus

Maria estatuada
Jesus crucificado
e o bicho ambicionado
entra em nova revoada

Quando o vôo se completa
da pedra arremessada
ela é denunciada
no estilhaçar da seta

Quando enfim se petrifica
num coração repintado
pelo pó da mesma sílica
numa cruz crucificado

Revoa no horizonte
cada bicho de empalhar
de coração a vagar
pousados numa ponte

E o diamante corta
no traçado da cidade
e a natureza morta
com maior fidelidade

Sobra o pó de um cimento
argamassa dos cassinos
sobra um cão e um menino
nos bichos o esquecimento.

Lucas Tenório

Coisa

Transparente e firme

em náusea e fogo

como um só jogo

de um só time.


Verdade impura

aguada e pétrea

como a pintura

dispersa e reles


Corpo que a vele

faca que a lime

dorso que a leve

canga que arrime


e a diversão

é contar poeira

como o condão

da cumeeira


Vasto e impreciso

é esse Rio

mudo, conciso

em pleno cio


Aberto o ventre

à faca-pele

qu'ele a despele

sisudo e crente


Depois do tempo

do empoeirado

um retratado

em ornamento


Procura o lote

que lavre a carne

que o desarme

desse culote


o retratado

embuchou a seca

como na terça

de água e meia


Espera o ventre

pelo curtume

onisciente

de dá-lo ao lume


No tempo igual

o Rio secou

como o animal

que urinou


urinado

mais uma vida

à faca e lado

da despedida.


Lucas Tenório

29.1.07

100 anos de Frevo

14.8.06

Livro de poemas - à espera de patrocínio para publicação

Lucas Tenório - lucastenorio@gmail.com



Pedra angular


É pétrea a angulação
da hóstia ao intestino
Se é vera a oblação
do ovário feminino

Ovário em sangue e luz
na curvatura seca
urdidura resseca
de pele em ponto cruz

Costurada na foz
do oásis placentário
demais deficitário
do que também na noz,

Segrega pedra e areia
e então por sua tez
engilha mãos e pés
em encarquilhada teia

Demais desidratada
das marcas digitais
por traços minerais
de linfa emasculada

Estátua burla em sarro
por vida aparentada
moldura alienada
de boneco de barro

Moído na moenda
do canal da vagina
e coado na tina
Em boneca de renda

No assexuado ai
da gênese do grão
ressequido no chão
da semente do pai.

Lucas Tenório


Pequeno Santo Antônio

Argamassa do caminho
nos bueiros conformada:
terra do rato e arauto
de palavra alimentada.

Uns pés de pilão, moinho
mãos de ladrão de tempo
Cortam-se cocos nos conventos
em frente à Casa da Cultura.

A moldura que os olhos vêem
da praça Visconde de Mauá
É de um banco bem pra lá
dos travestis de plantão.

Pegue a contramão
e chegue à estação do metrô
Pergunte-se para onde vou:
cola, pipoca, cocada?

Argamassa do caminho
nos sapateiros conformada
terra do homem e calçada
de poeira apalavrada.

Lucas Tenório


Olaria
Da visita, à porta de entrada
um alpendre espreita
o que a colheita requentava

Na vasilha e forno
mingau de arroz
logo depois
adorno e torno

De um indivíduo maleado
pelo prosaico
do facão


E no prego uma parede
um alçapão
de rede

A nos dizer da entrada
ferro e tijolo
e de um monjolo
de água parada

Esquadrinhado o aposento:
dedo, alicate e vagina

E um arremedo de infante:
quase sem medo
edulcorante
de sacarina

Nem sequer chora
contorna e ora
se espreme e coça
enquanto cora

A carne escura.

Urina, salga, apura
o cozimento.
Pedra e cimento
arquitetura.

Lucas Tenório

Pedra de Toque

Há pedra em cerebelo
no córtex também
no metal de vintém
do grampo de cabelo

Do nódulo de carne
se pétreo fosse o intento
e carnal fosse o centro
da vagina de Carmen

Um centro unitário
em vão vereda e palco
corpúsculo urinário
de estilhaçado escalpo

Há pedra no clitóris
há nesse anel venéreo
de vulva em climatério
o espedaçar de um giz

Que pode ser lembrança
se meio aquoso fosse
o intencional que trouxe
o grampo ao pé da trança

Há cabelo no sol
que desidrata o grito
do gozo do cogito
embalsamado em pó.

Lucas Tenório

Quiseram me convencer de que o Capibaribe é uma fossa
O formalismo geográfico
do esquecimento geológico
a desapropriação da terra
de que a excrescência se apossa
quiseram me convencer
de que o Capibaribe é uma fossa.

Uma sucessão de pontes
o convencionalismo historiográfico
um cão em sua lídima cova
onde as plumas desmaiadas escorça
quiseram me convencer
de que o Capibaribe é uma fossa.

Um cartão postal retocado
pela computação estatal
o cenário da ponte aérea
no cotidiano da aeromoça
quiseram me convencer
de que o Capibaribe é uma poça.

Os despojos do poeta vadio
na lembrança de Austro Costa
uma sede imensurável
de quem só almoça carcaça
quiseram me convencer
de que o Capibaribe é uma traça.

Uma cidade chamada Recife
esquife dialético do novo
um canteiro podre e febril
um intestino, uma víscera, um ovo
quiseram me convencer
de que o Capibaribe é um estorvo.

Lucas Tenório


Noite
Sonhei com um soneto somente.
Era apenas um soneto, um soneto só.
Um soneto tão sozinho que dava dó.
Sonhei com um soneto, indiferente.

Era apenas um soneto, soneto mudo.
Ele não pedia nada, não me falava.
Entretanto me encarava, a tal me olhava
Como se quisesse pôr-me a par de tudo.

Mas era apenas um soneto, era mais um
Era apenas mais um sonho, mais um perdido
E era apenas um olhar, olhar algum...

Noutro dia outra manhã, novos olhares
Dessa velha solidão nos calcanhares
E um soneto a me espreitar, adormecido.

Lucas Tenório


O urubu imperial
Se um pernalta avoante
pousa no nosso rio
qual peixe, que peixe
sentirá frio?

E se na barriga do pescador
o anzol se acomodar
qual garça
regurgitará barbante?

Se na ponte o espectador
nada vê, nada sente
que imagem de defronte
senão um tosco Guararapes

Pescador, garça, peixe
todos agora são mascates
venderam o rio ao lixo
e o bicho os desfez de gentes

Pescador é doutor
Garça é comparsa
Peixe no novo reich
E o rio?

O rio leva ferraris
mansões, iates, foguetes
mal se lembra do azul
É agora pele e carcaça.

Lucas Tenório


Papel de Parede

Entre o avesso recortado, entre a serra
Maquinalmente empregada
A palavra cresta escrita, nela berra
A celulose decepada.

Berra o gemido chiado
O ranger dos dentes incisivos
E em todos os prados
O laminar lascivo.

Lascivo na palavra
Víscera, ferro, ventre
Que o corte de por dentro, entre
Escalavra.

Abre-se-lhe um duto, um traço
De caligrafia erótica
Numa balaustrada gótica
De braço a terraço.

Dos morfemas, antes células
O adorno do corpóreo espaço.
Num bailado de libélulas
De anca a espinhaço.

E se a casa verbal é língua
E a casa da casa monumento
Escrita em sua dor, à míngua
No antigo testamento,

Dói a dor do corte, em Adão
Do pênis que agora é falo
Dói o corte do papel, cambão
Num verbete em que não falo.

Lucas Tenório


Habitat
Que habite no meu poema.
Seja ele casa
com as paredes ortogonais.
Sei que não a casa de Vinícius,
sem chão,
o largo dos pacifistas.

O meu modesto poema requer
um mocambo freireano.
Sei que não o mocambo alagoano
do guerreiro das senzalas,
da tribo dos Palmares,
nova Tupinambá.

O meu verso de taipa e argila,
a sala do sertanejo Lampião.
Sei que não a casa do Conselheiro,
o de lá,
com seu lajedo que ainda hoje cintila
ao sol de Belo Monte.
(a casa do desmonte dos generais)
Reerguida atrás do front,
bem aqui atrás,
na ante-sala-gleba do testamenteiro.

O meu poema requer uma casa,
um monumento ao séquito brasileiro.
Sei que não ao séquito modernista,
regionalista, concreto ou pós-moderno.

O meu poema só neste caderno.
No sêmen dessas poucas palavras.

Lucas Tenório


Lá vem o beco
Lá vem o beco
Figura caricata.
Pedras
de construtor
e uma prancheta de arquiteto
na pasta.

O beco quer uma perimetral -
diz ao seu poste único.

O beco intimidou o paisagista.

Tirou da maquete de um boteco
uma dose.

Incendiou-te o arquiteto?

Tem funerária no beco.
Ouviu-se um grito seco:
Foge, beco!

Lucas Tenório


Açougue
Da carne o osso é parte
é parte o sangue frio
na arcaica e escarlate
demão que a coloriu

Em tons do arco-íris
digestivos do sol
que a carne em sua bílis
fulgiu num urinol

Do mesmo barro opaco
que pretendeu lustrar
algo tampouco laico
e por sacralizar,

A urina doce e quente
da terra desposada
a subserviente
costela desossada

Em matiz de placenta.
Depois do incesto lato
na cria empoeirenta
num berço caricato,

Choro de um quase-deus
na dor da pedra manta
que medra o sangue seu
em verbo na garganta.

Lucas Tenório


Recife
Recife. E Recife quase sempre
ou quase não foi lauda num poema
Recife na nuança da eritema
que em rubro lhe esmaiava o transparente.

Recife, ou Recife, quase nada
e quase não foi nada, quase nunca
Recife quase tudo que caduca
na fala que se fala alienada.

Recife, do Recife, quase tudo
Que o brado fez embriagado e ousado
Recife, quase tudo, mas um pouco
do grito estertorado, quase mudo.


Recife, de insídias em seus planos
Recife, publicano tão prosaico
Um grito de profeta americano
Um gesto antecipadamente laico.

Recife, do teu sangue o rubro veio
Não és cidade, és universo alheio
Recife, te sondar no indiferente
É te encontrar intruso no meio seio.

Lucas Tenório


Osteogenia
Do osso a histologia
na lente perquirida
diz-se do osso vida
crânio a filosofia.

Diz-se da osteogenia
que é pedra em água-viva
de sangue, humor, saliva
estirpe e fidalguia.

Diz-se pedra de toque
de todo um esqueleto
do corpo humano feito
forquilha de bodoque.

Forquilha de arremesso
de sangue, pedra e cal
esticado em varal
de corpo pelo avesso.

De corpo em inversão
do que lhe é ancestral
herança mineral
de corpo aluvião.

De corpo feito leito
de um rio em preamar
na foz sedimentar
dos seus vasos estreitos.

Por vasos onde escorrem
a pedra, o vento o sol
a nuvem e o farol
que nesse corpo dormem.

De um corpo feito quente
de pedra seixo togas
de peixes entre as algas
num escopo incandescente.

De um corpo em investidura
parindo luz e vida
na lente perquirida
de alma etérea e pura.

Lucas Tenório


A sedução da pedra

A pedra é antes força
De gravidade-ser
É profusão de só
Em profusão de outras.

A pedra como outra
É mão que a sopesa
É olho que a enviesa
Em traço geometral.

A pedra do quintal
É pedra do inquilino
No abaulado sino
Do copular metal.

Do metal do menino
Da pedra de portão
Do maleável chão
De terra seminal.

Da pedra-mor de peso
A pedra é feita lar
De globo ocular
De pedra intestinal.

Mas pedra é pedra outra
Em pedra de desejo
Na pedra de cortejo
Por pedra mineral.

Vê-se que a pedra é mesma
O tinido do sino
A palma do menino
O visual da lesma.

Lucas Tenório


São Paulo
São Paulo,
Eu queria te ver
No meu rosto já não há
Os teus traços vis-à-vis.

São Paulo traz-me aqui
O mentor do Tietê.
A placidez daquele mar
De concreto calculado.

São Paulo desbravado
Angulado em quem te quis.
Os teus prédios monumentos
Os sacramentos guaranis.

São Paulo entrincheirado
Nas modernas conjecturas.
São Paulo as iluminuras
Dos vitrais maquinofaturados.

São Paulo tens mesquitas?
São Paulo sinagogas.
Tuas palavras-igrejas
Os urbanitas de Rita.

São Paulo tens em voga
Os meus credos de cidade.
São Paulo latinidade
Ascendente em lua nova.

Lucas Tenório


Eu sem nadaVastas sombras, desfolhadas de agonia
Vastos olhos, desfocados, baços
Vastas faces, esquecidas nos terraços
Muitas flores, sob o sol do meio-dia.

Vastos sonhos, e a tessitura de suas teias
Vastas almas, em seus guetos infinitos
Várias danças, vários cantos, vários gritos
Muitos risos, ao clarão da lua cheia.

Um convite a deitar em plena rua
Vários corpos, numa mesma pele nua
Vastos uivos e gemidos de prazer.

Vasto silêncio, sem pergunta que fazer
Vastos beijos, no azul desse oceano
E eu tão só, tão sem ninguém, eu tão insano.

Lucas Tenório


O ventre-mangue
O ventre é pedra oca
É pedra ainda sangue
Que na pedra de mangue
É loca de maloca.

É ventre de vazio
Que atomizado fica
Na pedra que se estica
Em coito-ventre-cio.

É pedra de estio
Que a sede pavimenta
Na construção sangrenta
Do ovo-ventre-rio.

Do ovo, ventre-pedra
De pedra ventre-feto
Em feto-ventre nada
De comunhão de água.

Se água é pedra-nada
(E disso a pedra nega)
A terra-pedra cega
Faz dela pedra-aguada.

E nessa pedra sangue
Flutua a pedra-gente
Em pó deliquescente
De pedra-pó de mangue.

No ventre-pedra mangue
A pedra se completa:
O ovo-pedra cresta
Na gente-pedra exangue.

A gente-pedra exangue
É recife de pedra
De urbe-sal que medra
Em gente-pedra-sangue.

Em sangue-pedra-quente
O ventre pari ponte
De rente-pedra fonte
Em mangue-pedra-gente.

Lucas Tenório


O ponto ocaso
Pondo à noite o crivo no vaso
e a fenda em orifício permeável
feita a luz o risco do atrito
que do crivo faz um grito.

Se descoberto o vaso em cálice
e em verbo o silêncio interdito
que se diga o motivo presto:
A janela em sol postiço.

E manchado o chão em vinho
e em luz o quarto está sozinho
mas a terra, qual esponja
beberá o sol ao teto.

Dessa lâmpada, leve o inseto
embriagado em éter-nectar
num esquife rebentado
cairá decrépito.

Pondo à noite o crivo na chama
e ao dissipar a voz carbonizada
restará ao sol da vela
a amplidão pedrada.

Lucas Tenório


As Casas

As casas.
As casas e suas lembranças
passeando nos jardins ou debruçadas
no parapeito das janelas.

As casas com seus muros
oitão e quintais.
E suas gentes.

Casas com sorrisos de bom dia,
fuxicos nas calçadas e muita história
pendurada nos varais.

Casas com alegria, com parentes.
Tias, pais, irmãos, avós
e na esquina a padaria.
Mais à frente uma multidão.

Casas com nascente
poente e paz.
Casas do ocaso, bolo inglês
e um luar ao alcance das mãos.

Casas com as galinhas
e ao menos um galo das quatro da manhã.
Casas de alvorada, alvenaria.

Ah, casas.
Havia casas
que viviam conosco,
e mais nada.

Não as casas do amanhã.
Casas sem caso.
Casas de ferro, xadrez.
As casas catamarã,
pequenas e que nos levam
ao décimo terceiro andar
em gaiolas com os passarinhos.
(E ainda há vez para esses bichinhos?)

Há casas que nos guardam
sozinhos, neuróticos.
Ao acaso.
Casas desacasaladas, descasadas.
Assexuadas ou hermafroditas.

Ah, casas malditas e desocupadas!
Estamos fartos
e noutro lugar.

Nessas casas, ao entrar,
só nos resta pedir de joelhos:

Dê-nos asas.
Dê-nos casas.

Lucas Tenório


A ostra e o vento

O vento traz no peso
repuxada na vaga
em arco espoletada
a ogiva de seu vezo

Liame granulado
em braço ambivalente
pavio impubescente
de um pendular petardo

Que ora leva o vento
ao átrio do abismo
e leva a pedra ao sismo
o ventre ao movimento


O vento cai vazio
de areia quando reto
maturo e de arquiteto
é redondo e no cio

Redondo o vento vela
a todo sedimento
a crosta e a caravela
são excrementos de vento

Carcaças correlatas
no mais suave aroma
lascivo o vento doma
matérias putrefatas

No gozo a ostra exala
o sal do feromônio
calderado o hormônio
que o vento traz na gala

E prolifera o coito
em profusão de esperma
berçário, gesta, intróito
e gênese de terra

E o mar vira sertão
num barro encarquilhado
e os rios e alagados
evadem-se do chão

Na fenda, a ostra está
prenhe do galeão
guardada em ovulação
a vertente de um mar

Num corpo desertor
costela de calcário
coroa, escapulário
e mãos de pescador.

Lucas Tenório


papel ofício
A parafernália do dia
encontra-se pendurada no horizonte

vésper, rinoceronte e máquina de escrever.
No ocaso, todos vão para casa:
tatu, urubu e mandacaru
na goela do ruminante.

O poeta até tenta:
clica e cospe.
Clipe e pelica o assessoram no ofício.

Lucas Tenório


cadaço e gravata

O cadaço do sapato
amarra o pé.
O pé tem seus dedos
Cada dedo com seu medo
Cada pé com seu arremedo
de forca.

Sei que o cadafalso
não faz
calo

meus medos
pendurados nos meus dedos
apertam a gravata.

Lucas Tenório


Sal-da-de
Saudade imensa, sinto.
Intensa e impressa
faça-se dela sem fastio.

Sinto uma imensa saudade
que se afasta do usual.
O escrito dê-lhe gostos
de língua informal.
Sinto uma falta grande
que tempera o prato esperado
sonoridade aguada
ganhe beiços rebuscados

Sinto o sal da falta
de dedo em dedo composto:
Quem me dá um tira gosto
e a aguardente destilada?

Lucas Tenório


Lições Elementares da Pedra - II
O encontro com o nada
recorrência estética
da prole hígida
asséptica e vacinada
por anticorpos laudas
vazias.

O encontro com o branco
recorrência hermética
do alçapão fechado
do vaso furado
e do tamanco descalçado.

O encontro com o tronco
desenraizado, filhos adulterinos
sentados
no banco do trânsito do alcochoado vazio.

O encontro com o pavio
do barril de fogo
e o cadinho de gás
em metal de logro
em que nada faz
o que é nada em dobro.

Lucas Tenório


Lições Elementares da Pedra - I
Cacos rasgos de vidros toscos
Se digo da pedra o
fosso
em que aresta o fosco
estará para a luz exposto?

E se a aresta recortada
entre
o grão de areia
e a espada for uma lápide côncava?

E se a onda que quebra no rochedo
a concha engoli-la troncha
por sua face enviesada?

Restará aguada
acesa
triturada a luz
espargido o pus
da fenda descarnada.

Lucas Tenório


Eclipse

O sol em proto-esfera
pelo luar levita
fragor, fragrância, vista
e o fumo das crateras

O sol da cor despela
em luz que regurgita
a cintura contrita
de amarela gazela

Na cal de primavera
aposto um seminal
na fossa genital
do caroço da, pera

Em orbital ambíguo
de um hermafrodita
prender atado à cinta
o outro lado do umbigo
Do ânus, casca basta
feito o parto do escuro
um feto fosco e anuro
emprenha sua madrasta

No mesmo intervalo
em que relincha a égua
e que a maré sonega
o esperma do cavalo

Endurecida a cinta
e cego o nascituro
perpassa o palinuro
a luminância extinta

E o coito se encerra
num orgasmo monocórdio
num preciso relógio
agônico de terra

Quebrado da placenta
o umbilical enlaça
a garganta da taça
herege e sacrossanta

E volta o grão ao estrume
e o ventre ensangüentado
celebra fecundado
o sombreado lume.

Lucas Tenório


Vitruviano
Engaste, pedra e torso
em via férrea
ruflado em rédea
o cavalo vapor

Cavalga alcantilada
em simbiose argêntea
a diligência
do motor

Olha-o a ambigüidade
em carne e do metal
proporcionada
do animal

E nenhuma dor passiva
na passada
descarrilada
da locomotiva

Fê-la mais que nada
além da pata-quilo
esculturada
em Vênus de Milo

Feito impotente aos pés
ferro e ardósia
na ataxia
doutro Moisés

Desenfeixada a derme
no coice intento
ao monumento
lingual do germe

Eviscerada e rente
na quadratura
caricatura
enclenque e quente

Vai circunscrito
à rosácea esfera
em litosfera
de antanho atrito,

O vitruviano chão
laçado a nó
varrido a pó
da ilustração.

Lucas Tenório


A face oculta da sombra
Falar de sombra em pedra
é dizer-lhe da pluma
no dizer que arremeda
lamparina nenhuma.

Na réstia do intestino
de pedra a sombra brilha
na íris do inquilino
estilhaçada em quilhas.

Na íris sombra-marca
de fractais dormentes
em antiincandescentes
soalhos de barcaças.

Ancoradas a fio
de ouro e de barbante
cordames de extravio
em treva naufragante

Engolfada em um sol
de feito estomacal
espelhos de um atol
de lava gutural.

Em luz que é haurida
em sua opaca cama
matéria preferida
do leito de sua chama

E a luz e sombra dobram
o mesmo e ambíguo sino
no ferro em que se forjam
os vãos do cristalino

de transparência muda.
Dos olhos palpebrados
a sombra-luz exsuda
o grito imatizado.

Lucas Tenório


Redoma
Falam perto de mim, me acercam
Tocam em meu corpo encurvado
Pedem-me desculpas, lacerado
Sei que a fé me diz o quanto pecam.

Agora se afastam, em desalento
Tristes são os que erram pelo nada
Minha alma queda-se calada
Não se passa nada num momento.

Um silêncio profundo me assoma
Distantes são as vozes, quase mudas
Rezo para que a indiferença os tome

Pelo pulso. Sei de todos os seus nomes
Algum deles já ouviu Pablo Neruda?
Deus, me dê por templo uma redoma.

Lucas Tenório


Perspectivas
Envolto em olhares tristes
enclausuro-me nas perspectivas
de circunstantes, transeuntes
em traços de solitude e torpor.

Ao transpor os pontos limítrofes
das ansiedades cuidadosamente
veladas,
fujo pelas vastas estradas
que me conduzem às personalidades.

Vago em cidades, presídios,
onde a ilusão encontra pousada.
Manhãs que descerram quimeras
e geometrias que se desfazem em pó.

Vejo os dias em suas extensas eras,
em tardes de deleite e abandono.
Sóis de sutis primaveras
e ventanias de luares etéreos.

Em lances aéreos me atenho
e me pego insone em anseios
daqueles que ainda não vejo,
mas que onipresentes me chamam.

É noite, e por fim eles clamam
e me pedem por apenas um beijo.
A saciedade de seus muitos desejos.
A catarse de seus vários instintos.

E então me pergunto o que sinto
se tão só me apanho amiúde.
Como obter a cumplicidade
de rostos distintos e dispersos.

É assim que lhes proponho
a saudade,
a minha vida em meus versos.
A sensibilidade esquecida
A minha utopia
o meu sonho.

Lucas Tenório


Luz, Alfazema e Pão com manteiga

Onde é?
É numa venda?
Que eu vá com uma venda
às quinquilharias.
E não profanem meus sentidos -
(banha, ovos e ninharias.)

Quando menino eu comprava
bala de amendoim, chiclete
e um carretel de linha.
Papel de seda, picolé
com um álbum de figurinhas.
Mas não profanem meus ouvidos:
(pequenez, arrogância e mesquinharia.)

No Carnaval tinha bisnaga,
óculos d`água
e dente postiço de vampiro.
Mas não profanem tudo aquilo:
(aridez, cegueira e antropofagia.)

- Luz, Alfazema e Pão com manteiga...

Lucas Tenório


O Sapo
Vestiu-se o Sapo de jaqueta
E pegou sua lambreta.

Sol a pino, concreto, asfalto.

Trrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

A britadeira.

O Sapo, da algibeira,
Coloca o protetor auricular.

- Não viu o apito, motorista?
- Não ouviu a placa

PARE

O Sapo, à guisa de dislexia,
Esnoba o fiscal policial.

Tira do bolso o cartão:

SAPOPARASAPO
GUARDAPARAGUARDA
RAIOPARARAIO
PARASAPOPOSSA
PARARAPARARABARBAEBABAR

Seu guarda.

SOPASSARPARASAPAR

APARARABARBAEBABAR

Seu guarda.


BOLAPARACOLA
DOLARROLADOCALO

OKAPA

O Sapo aguarda.
O Sapo aposta...

SAPOEPAPO
SAPOESOPA

Eu?! Que nado!

SAPOAPOSOSINALSALTAR
Sapo é brasileiro...

SAPOAPOS

O fiscal dá partida com o Sapo no camburão.

Inheminheminheminheminhem
Inheminheminheminheminhem

Inheminheminheminheminhem

Inheminheminheminheminhem


TAXITAXITAXITAXITAXITAXI

TAXITAXITAXITAXITAXITAXI

TAXITAXITAXITAXITAXITAXI

TAXITAXITAXITAXITAXITAXI




PUTAQUEPARIU

O Sapo atado se riu...


TAXITAXITAXITAXITAXITAXI

TAXITAXITAXITAXITAXITAXI


TAXITAXITAXITAXITAXITAXI


TAXITAXITAXITAXITAXITAXI

Pois não seu guarda?

EIACADEIA
Cadê?!... Olha, é bandeira 2, vai?


PUTAQUEPARIU


(O Sapo autuado sorriu.)

Lucas Tenório


A seca

Túrgida e rarefeita
vejo a seca
na folha de papel

Aqui do meu cinzel
a rachadura é feita
no balcão da cozinha

E a espinha de peixe
na lata de sardinha

Túrgida e satisfeita
a carcaça seca
na colheita e na pesca

Dois galos de sangue
um verde e exangue
outro ocre e matinal
colocam sal no dia

Eu corto a seca
na lembrança que não tinha

Eu colho a penca
da palma
da mão

Eu digo não ao Sol vermelho
e na rachadura
há pinho
sol nos calcanhares de maria

No seu espelho
os meus olhos no seu ventre
para entre
galos
tê-la

fria e imaculada
ejaculada do meu falo.

Lucas Tenório


O meu caminho

Eu não sei bem aquilo que quero
Nem o que de mais queira eu não sei
Tenho certo só o quanto os espero
Certo estou, cedo ou tarde os terei

E o que espero, como vem, nunca sei
Sei que é minha, só minha encomenda
E sei dela que se dela não entenda
Fora ela o que de mais dela estudei

Estudei o que soube, quase nada
Estudei a essência, o que passa
A procura, o que virá na invernada

De minha vida, e que seja para sempre
O que busquei, o que quis, e esteve ausente
Noutros versos, deixados na estrada

Lucas Tenório


Arranha-céu
Posto em ereção
o aço rijo
soterra o mijo
no chão

Um cão num alçapão
montado na cobertura
da investidura
do vergalhão

Alcança ao salto
do que se verga
com o que se rega
um bloco de asfalto

Amalgamado
em dorso e fibra
a quantas libras
desidratado

Condensa a cal
de pele turva
a fácies curva
degrau a degrau

Cada dorsal
articulada
e emparelhada
do animal

É um grito surdo
no tempo estreito
de um parapeito
intruso e ludo

Ao vento.
Cata-ventos nos andares.

Lucas Tenório


Engenharia
Onera o espaço o laço
uma cabeça é de quê?
O compasso traça o curral
de pernas abertas.

O roçar dos dois dedos
é signo ultrapassado.
O compasso onera o espaço
de anca a joelho.

Desonera o espaço a proveta?

O compasso traça os pêlos
da silhueta.

Onera o espaço o baço
uma cabeça é de quem
O compasso traça o animal
de pernas abertas.

Lucas Tenório

18.7.06

Interlúdio - Cecilia Meireles

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muros
em coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.
__________________________


Fonte: Jornal de Poesia

11.5.06

Nas Águas da Poesia – José de Sousa Dantas e Daudeth Bandeira

"Cruza mares diferentes
que têm ÁGUA cristalina
sob a luz que ilumina
os maiores continentes
vê as cores reluzentes
saindo da imensidão
fonte da constelação
tão poética quanto a lua
Todo poeta flutua
nas Asas da Inspiração."

José de Sousa Dantas


"No mundo da POESIA
o encanto desencanta,
a pintura acorda e fala,
a música desperta e canta.
A arte brota e ascende
e sutilmente transcende
o que há de mais profundo.
Já disse alguém dessa arte
É o único mundo à parte
que existe dentro do mundo."

Daudeth Bandeira


Cecília Meirelles, em verso conhecido, declamou:

"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.(...)

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada."


José de Sousa Dantas e Daudeth Bandeira (Manuel Bandeira de Caldas) compuseram “Nas Águas da Poesia”. Livro denso, forte, vigoroso. Livro fragrante, luminoso e leve. Nas Águas da Poesia é acima de tudo um livro “torrencialmente” vivo. É de Daudeth Bandeira, na estrofe a seguir de um de seus versos, uma das exemplificações desse sincretismo temático-material, levado a termo com um apurado refino poético e hábil recurso de prosopopéia. Podemos ver em suas linhas uma construção, apoteótica e visceral, de uma das intensas aquarelas da vida:

(...)"Na tarde que o arco-íris
Laçava um lado do monte
A campina recebia
Um diadema na fronte
O trovão dá um gemido
Como quem tinha mexido
No organismo da terra
As matas se contorciam
E os caititus se escondiam
Nas axilas da serra."(...)

(BRASIL VIRGEM, p. 333)


José de Sousa Dantas, noutra bela estrofe de um dos seus, complementa-o em estilo, e arremata:

(...)"Uma noite de chuva no sertão
é motivo de grande alegria
canta o sapo, o caçote e canta a jia
mãe da lua, e a coruja no oitão
o campônio se enche de emoção
quando vê o inverno encarreando
abre a porta da frente e vai olhando
e com a família ele canta seu bendito
Quando ouço o trovão no infinito
imagino ser Deus que está gritando."(...)

(Quando ouço o trovão no infinito imagino ser DEUS que está gritando, p. 186)


O Trovão e um Grito Nordestino!

O grito dos poetas paraibanos, ecoante nos versos do seu livro, remete-nos ao Brasil, principalmente ao Nordeste e às suas terras, águas e coisas. Gentes, bichos, plantas, sentimentos, beleza e poesia. Leva-nos às reflexões do viver, fazer e sonhar. Do querer e poder. Da felicidade, do sofrimento, e da conhecida e inabalável fé que acompanha o nordestino:

(...)"O barreiro tá seco esturricado
não tem ÁGUA no açude e na barragem
só tem nuvem cinzenta de estiagem
todo eito do campo está pelado
não existe alimento para o gado
o cinzeiro no espaço faz cortina
foram embora meus galos de campina
e os que ficam não estão cantarolando
Vejo o corpo da terra se queimando
na fogueira da seca nordestina."

"Falta rama no pé de juazeiro
não tem pasto na roça e no baixio
na vazante do açude e nem do rio
não tem sombra de angico e de pereiro
já morreram mofumbo e marmeleiro
é preciso a intercessão divina
para a CHUVA molhar toda campina
ninguém sabe, só Deus quem sabe quando!
Vejo o corpo da terra se queimando
na fogueira da seca nordestina."(...)

(José de Sousa Dantas - Vejo o corpo da terra se queimando na fogueira da seca nordestina, p. 184)


Mas...

(...)"Uma rã rapando a cuia,
o carão soltando um grito,
mamãe cantando um bendito,
e eu dizendo, Aleluia!!!
numa janela de embuia,
o vento dando empurrão
e aparecendo um clarão
no ventre da nuvem escura.
Sinto o cheiro da fartura
recendendo no sertão."(...)

(...)"O rosto do tabaréu,
com rugas entrincheiradas,
olhando as pontas douradas
do nevoeiro no céu,
em ver aquele mundéu
de nuvens em comunhão,
disse com bela expressão,
a colheita está segura!
Sinto o cheiro da fartura
recendendo no sertão."(...)

(Daudeth Bandeira – TEM FARTURA NO SERTÃO, p. 170)

(...)"Cheiro de terra molhada,
de rama nova e de flores,
fruta de vários sabores,
pinha, cajá, manga espada,
cheiro de leite e coalhada,
manteiga, queijo, cascão,
mocotó, peixe e pirão,
melão, maxixe e verdura.
Sinto o cheiro da fartura
inebriando o sertão."(...)

(José de Sousa Dantas – Sinto o cheiro da fartura inebriando o sertão, p. 169)


Sousa Dantas fala do carro de boi farto...

"Era tudo carregado
no carro de boi da gente,
corda, marreta e corrente,
enxada, foice e machado,
chocalho, arame farpado,
porta, janela, pilão,
cavaco, lenha, algodão,
arroz, melancia, fava,...
Meu carro de boi cantava
nas quebradas do sertão."(...)

(Meu CARRO DE BOI cantava nas quebradas do sertão, p. 176)


Do contentamento e beleza chegantes

(...)"Satisfeito com o inverno
o campônio se anima,
vê a mudança no clima,
como quem trocou de terno,
agradece ao Pai Eterno,
na hora de se benzer,
e depois se recolher
com a sua camponesa.
O sertão mostra beleza,
quando começa a chover."(...)

(O sertão mostra beleza, quando começa a chover, p. 172)

(...)"Quando chega a invernada,
aparece borboleta,
vermelha, amarela e preta,
branca, cinzenta e rajada;
seriemas na lombada,
tatu e camaleão,
calango enfeitando o chão,
camuflado na pastagem.
Quanto é bonita a paisagem
quando chove no sertão."(...)

(Quanto é bonita a paisagem quando chove no sertão, p. 165)


O cantador Ivanildo Vilanova bradou em verso o Nordeste

"Pelo vaqueiro que vaga
Por Pinto e sua viola
Por Zumbi, o Quilombola
Conselheiro e sua saga
Pelo baião de Gonzaga
E a luta de Virgolino
O barro de Vitalino
Pelo menino de engenho
Por isso tudo é que tenho
(Orgulho de ser nordestino)"


O compositor e intérprete Lenine decantou Pernambuco

"Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino
Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial
Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una
Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um auto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru"


O genial Patativa do Assaré tinha o seu Ceará

"No rompê de tua orora,
Meu sertão do Ciará
Quando escuto as voz sonora
Do sadoso sabiá,
Do canaro e do campina,
Sinto das graça divina
O seu imenso pudê,
E com munta razão vejo,
Que a gente sê sertanejo
É um dos maió prazê."


O poeta de Pombal, em concordância, faz a sua louvação

(...)"POMBAL, meu berço querido,
que nasci e fui criado,
me sinto emocionado,
feliz e envaidecido,
é meu lugar preferido,
terra de meus ancestrais,
onde residem meus pais,
meus estimados parentes,
e onde são residentes
os meus amigos leais."(...)

(...)"POMBAL imortalizado
através dos grandes nomes,
do gênio Leandro Gomes,
do doutor Celso Furtado,
Arruda Câmara, citado
até no exterior;
Rui Carneiro, um lutador
pela nossa Paraíba,
é natural que se exiba
sua gente de valor."(...)

(ANIVERSÁRIO de 142 anos de POMBAL em 21/07/2004, p. 351)


Pontua Daudeth Bandeira

(...)"Paraíba dos Tupis
A nação dos Potiguaras
Espinharas, Tabajaras
E valentes Cariris
Surpreendeu o país
Com bravura e com vigor
Com sentimento e amor
Parabéns grande Heroína
Paraíba masculina
Mulher macho sim senhor."(...)

(MULHER MACHO, p. 344)


Ao que José de Sousa Dantas rebate

(...)"Eu usava um matulão
resistente para a luta,
andava dentro da gruta,
na maior disposição,
se aparecia um rasgão,
na roupa, em qualquer altura,
mamãe fazia a costura,
completando com remendo.
Eu me criei foi comendo
farinha com rapadura."(...)

(...)"Saía de manhãzinha,
pra trabalhar numa broca,
com espingarda de soca,
e um bisaco de farinha,
com rapadura pretinha,
que se fazia a mistura,
e a cabaça na cintura,
com água pra ir bebendo.
Eu me criei foi comendo
farinha com rapadura."(...)

(José de Sousa Dantas – Eu me criei foi comendo farinha com rapadura, p. 155)


Para finalizar com "a gota serena"

(...)"Plenamente brasileiro,
nordestino, cordelista,
vate, poeta e artista,
juramentado engenheiro,
destemido, mensageiro,
dinâmico, pesquisador,
apaixonado escritor,
serei isso até morrer.
Eu tenho orgulho de ser
nordestino, sim senhor."

(Eu tenho orgulho de ser nordestino, sim senhor, p. 368)


Do Grito ao Manifesto na Poesia das Águas

Daudeth Bandeira e José de Sousa Dantas também cantam, na especificidade do tema que dá o título ao livro, a pureza, imanência e sacralidade das Águas. Sua maternidade, seu encanto e grandiosidade. Sua importância para a vida e a necessidade - na forma de plangente apelo - de se lidar com ela com a cautela de quem sabe que na sua ausência nada mais existe ou existirá.

Na estrofe seguinte, Daudeth Bandeira liquefaz uma ninfa e a dilui na fenda de seu próprio ventre:

"ÁGUA é deusa apaixonada
No colo da terra alheia
Acariciando as poupas
Dos seios brancos da areia.
Na cascata se debruça,
Canta, suspira e soluça
Apaixonando o luar,
Tangendo as espumas turvas
Pra despejá-las nas curvas
Das ondulações do mar."

(Estrofe de Daudeth Bandeira, p. 44)


Nestas em sequência, percebe-se o traço rítmico, ágil, contundente e perspicaz de José de Sousa Dantas:

"Iguapé seio da ÁGUA
Iguatu é ÁGUA boa,
Ierê giro da ÁGUA
Ike chama-se lagoa,
Ibura nascente d’ÁGUA
Igara é barco ou canoa." (...)

"A flor da ÁGUA é Potira,
Nereida é ninfa do mar
a planta d’ÁGUA é kalina,
e Neide sabe nadar,
Nimbus é nuvem de chuva,
ÁGUA suspensa no ar."(...)

(Dantas e Daudeth - ÁGUA em tupi-guarani, p. 34)

(...)"É o símbolo da pureza,
fertilidade e energia,
virtude e sabedoria,
da graça da natureza;
é a fonte de riqueza,
divina e primordial,
preciosa, especial,
exuberante e querida.
A ÁGUA é fonte de vida
sublime e fundamental."(...)

(Dantas e Daudeth – A ÁGUA é fonte de vida sublime e fundamental, p. 37)

"A ÁGUA é graça de DEUS,
não era pra ser vendida,
mas sim pra ser preservada,
impoluta e protegida,
por ser um dos elementos
principais de nossa VIDA."(...)

(...)"A falta d’ÁGUA no mundo
provoca grande aflição,
morrem plantas, animais,
em triste situação,
e o mais culpado é o homem
por essa destruição."(...)

(Dantas e Daudeth – A ÁGUA É FONTE DE VIDA, p. 36)


Águas do Chão, Águas dos Olhos, Águas do Caminho Um com versos precisos, calculados, cortantes. Outro com o traço da embriaguez, do delírio e da fantasia. Um, sendo o outro também. Ambos excelentes poetas, melódicos, rítmicos, veementes. Assim são os trovadores José de Sousa Dantas e Daudeth Bandeira, no trânsito pelos diversos matizes que lhes dão o sumo de sua requintada poesia:

(...)"O lugar que fui criado,
no meu querido sertão,
tem a mais bela visão,
o açude e o roçado,
o rio, o curral, o gado,
casa cheia de bonança,
nunca me sai da lembrança
aquela fase dourada!
Eita saudade danada
do meu tempo de criança!"(...)

(José de Sousa Dantas – Eita saudade danada do meu tempo de criança!, p. 161)

"É cantado no verso e no soneto,
prosa, contos, coral e POESIA,
cordel, cartas, seresta, romaria,
no teatro, cinema e no coreto,
festas, aniversários, no dueto,
matrimônio, romance e no sermão,
no namoro, na dança e na canção,
no sarau, na novena e batizado,...
O amor é o tema mais cantado
pelos seres de toda geração."(...)

(José de Sousa Dantas – O AMOR é o tema mais cantado pelos seres de toda geração, p. 135)

(...)"No altar da Santa Madre
não nego os pecados meus...
eu pensava muito em Deus
mas hoje, é só na comadre.
Precisa ver, seu Padre!
Como é que ela caminha...
E no banco da pracinha
o jeito que ela se senta!
Homem fraco não aguenta
provocação de vizinha."(...)

(Daudeth Bandeira – PROVOCAÇÃO DE VIZINHA, p. 339)

"Falando em gente bonita
lembro logo de Marli.
A mulher mais cobiçada
que nasceu no Cariri,
Alva do cabelo louro,
tranças em fios de ouro
pendiam nos ombros dela.
Daquele tipo que as rosas
empalidecem medrosas
pra não disputar com ela."(...)

(Daudeth Bandeira – MARLI, p. 337)

"DEUS criou a MULHER observando
o que há de melhor na natureza,
o suave sabor puro de mel,
do pecíolo da rosa, a sutileza,
do sol claro, o calor, da lua, encanto,
e das plantas, tomou toda beleza."(...)

(José de Sousa Dantas – MULHER – ETERNO VIR-A-SER!, p. 306)

(...)"Você é minha eterna companheira,
a mulher ideal da minha vida,
minha deusa de áurea preferida,
vou viver a seu lado a vida inteira;
essa nossa união é verdadeira,
na alegria, tristeza, riso e dor,
no trabalho, no lar, por onde eu for,
do seu lado jamais desistirei.
Se um dia eu puder, escreverei
a história real do nosso amor."

(José de Sousa Dantas – Se um dia eu puder, escreverei a história real do nosso amor, p. 123)

(...)"A diferença é marcante
do pobre pra o homem rico
este é dono de fabrico,
um grande comerciante;
o pobre, um mero ajudante,
sempre firme no batente,
toda hora está presente,
produzindo mais valia.
O muito é da minoria
e pouco é de muita gente."(...)

(José de Sousa Dantas – O muito é da minoria e pouco é de muita gente, p. 296)

"Montado em meu rocinante
busco a minha Dulcinéia,
que teve a péssima idéia
de partir para distante;
quem sabe a qualquer instante
eu encontre um Sancho Pança,
que imponha temperança
aos ventos que me dão medo.
Muitas vezes eu procedo
do jeito de uma criança."

(Estrofe de Daudeth Bandeira, p. 368)


Nas Águas da Poesia contou com a participação de diversos outros poetas. Peço que José Virgolino de Alencar diga de todos:

"Navegando nas ÁGUAS DA POESIA
não é eito pra todo canoeiro,
há que ser um exímio timoneiro
pra guiar o seu barco em maestria
seja no mar revolto ou calmaria,
enfrentar indomável tempestade
com coragem e rara habilidade
de manter o seu barco navegando
entre as ondas seguras velejando,
são os poetas, poetas de verdade."(...)

(José Virgolino de Alencar – NAVEGANDO NAS ÁGUAS DA POESIA, p. 57)


Livro obrigatório para o amante e fazedor de poesia. Livro-lição. Aos mestres Dantas e Daudeth, parabéns.

"Cai uma chuva de rimas
numa doce sinfonia
um arroio de toadas
cadenciando harmonia
e um borbotão de versos,
redemoinhos emersos
DAS ÁGUAS DA POESIA."

José de Sousa Dantas
Daudeth Bandeira
_________________________________________________

Nas Águas da Poesia
José de Sousa Dantas, Daudeth Bandeira.
João Pessoa: Gráfica JB Ltda, 2004. 372 p.
Apoio Cultural: Companhia de Água e Esgotos da Paraíba – CAGEPA


Biobibliografias: (Da contracapa do livro)

JOSÉ DE SOUSA DANTAS nasceu em 21/11/1954, no sítio São João, em Pombal – Paraíba; engenheiro civil pela UFPB, com mestrado pela Escola de Engenharia de São Carlos – SP. Casado, pai de três filhas. Funcionário do Estado da Paraíba. Poeta, escritor, autor do Livro “A História do Meu Lugar – Contos e Versos”; coordenador da elaboração de livros e CDs da cultura popular e promovente de encontros de poetas e repentistas, em João Pessoa e Pombal. Tem elaborado vários poemas, alguns constantes de livros, coletâneas, sites, revistas, periódicos, jornais. Conquistou o primeiro lugar com o poema “O Construtor da Poesia”, no VII Festival Sertanejo de Poesia (FESERP) – Prêmio Augusto dos Anjos, realizado em 1999, em Aparecida – PB.

DAUDETH BANDEIRA – Manuel Bandeira de Caldas, poeta, repentista, cantador, compositor e advogado, nasceu em 09/06/1945, no sítio Riacho da Boa Vista, São José de Piranhas – PB, neto do imortal cantador Manuel Galdino Bandeira e irmão dos cantadores: Pedro, Francisco e João Bandeira. Tem participado de muitos torneios, congressos e festivais de cantadores, conquistando excelentes colocações, sendo reputado pelos seus ouvintes, apologistas e colegas como um dos mais abalizados vates de sua geração. Gravou vários discos: um vôo na poesia, capim verdão, o grande desafio, frenacrep, etc. Tem trabalhos gravados por outros baluartes: conversando com as águas; o preço do nosso amor; o pai, o filho e o carro; adeus do nordestino; o plantador de milho; nordestinação; a manicure; sorte de vaqueiro; pássaro rural; sonhos de Leandro, e outros, maioria constante do livro VALE DOS VERSOS, coletâneas, sites, revistas, periódicos, jornais e no presente livro. Além da inerente faculdade poética, Daudeth Bandeira é Bacharel em Direito, mantendo sua banca de advocacia na capital João Pessoa.

Lucas Tenório

3.5.06

Propor Joaquim Cardozo ou a verdade em vez da vanguarda - Ruy Vasconcelos

Em geral, o Brasil não tem sido muito generoso com poetas que estão à margem de um certo cânone para leigos. De uma antologia escolar. O mesmo que seleciona repertório para manuais didáticos. Ou o que separa o assunto das teses acadêmicas em departamentos menos engajados com pesquisa. E se pensarmos no modernismo, por exemplo, isso soa pontual.

Drummond, Cabral, Bandeira – e, mais recentemente, Murilo Mendes – têm sido as pedras da vez. E se tem tocado muito nelas. E elas se têm prestado a vários jogos – e umas poucas partidas de horas extraordinárias. Mas também a algum desgaste por recorrente repetição de jogadas. Aquele desgaste que o excessivo toque da mão provoca nas pedras de damas.

O certo é que houve um envolvimento fatal com esse núcleo mínimo, até o ponto em que nos desacostumamos a olhar para outros lances em curiosidade. E, então, algumas leituras caducaram por má repetição de comentário. Nesse sentido, o caso de Cabral e sua poética da pedra é emblemático. Hoje em dia, um gasto exemplo de vulgarização. Um clichê escolar. Quer dizer, não a força da imagem em si, mas a maneira como foi relida à exaustão, até ser acomodada ou amortecida. Atraída para uma inofensiva domesticidade.

Mas fato é também que, a partir dessa redução, desse olhar em linha reta, quase se desconhece por completo a obra dos demais poetas modernistas. E, claro, em algumas delas se pode surpreender um empenho formal tão lapidar quanto o dos selecionados para essa espécie de excesso de jogo.

Autores como Rui Ribeiro Couto ou Dante Milano, por exemplo, têm sido votados a um empedernido ostracismo. Ou, no mínimo, subinvestigados em prol dessa visada linear. E, dentre esses, há Joaquim Cardozo, que é mais conhecido como o amigo erudito de João Cabral. Ou então, como o engenheiro de cálculos, que traduziu para o concreto, mediante justas equações, a sensual sinuosidade dos palácios de Niemeyer.

Em 1997, o centenário de nascimento desse importante poeta, morto em 1978, passou praticamente em brancas nuvens. Não houve qualquer gesto mais largo de aprofundamento, pesquisa, divulgação. Ou mesmo de simples homenagem – à parte ser lembrado, em avulso, por um ou outro suplemento literário país afora. Não houve reedições críticas de suas obras. E hoje seus livros só são encontráveis nas prateleiras dos sebos e disputados, com acrimônia, por colecionadores bem informados.

E há muito a lamentar nesse esquecimento, pois Cardozo possui um lirismo justo, pensamenteado, capaz de surpreender pelo que nele há de invenção sob a veste do tradicional. E, em especial, exigente o bastante para variar só em sinceridade – e o quanto há de perícia neste só. “Enganadora simplicidade” em “balanços rítmicos tradicionais”, é como Drummond se refere a essa perícia de Cardozo para expressar-se por antigas fórmulas fixas. Para renová-las em alto grau mediante procedimentos mínimos.

O modernismo de Cardozo é a verdade. Uma instância conseqüente por oposição a rótulos de ocasião ou modas descartáveis. A verdade em vez da vanguarda. Uma busca pela coerência que, inclusive, o fará publicar seu primeiro livro, Poemas (1947), tão-só aos cinqüenta anos. Ou no dizer de Drummond, “um aparelho severo de pudor, timidez e autocrítica salvou-o das demasias próprias de todo período de renovação literária”. Um lirismo que se quer um tanto distanciado da concepção lírica convencionalmente barroca da tradição brasileira. Mas que não a nega. Senão a desloca. Numa primeira leitura, quase nada desse jogo é aparente. Sua poesia soa mesmo bastante tradicional e até pré-moderna. Simples não quer dizer fácil. Quase nunca quer. E, assim, seus olhos cortam fundo, e bem mais esteados no pensamento do que se pode supor em pressa. E convoca os olhos do leitor a fazer o mesmo: assumir esse olhar solar – mas também elegíaco, que parece abraçar a paisagem da Zona da Mata, onde Cardozo viveu quando jovem e se deslocou por, como engenheiro de campo.

Chuvas e ventos, estios e luzes, sombras e árvores, praias e rios, Recife e pequenas vilas pesqueiras, Mosteiros de Olinda e mocambos de Tramataia, velhas alvarengas e mulheres com nomes simples e plásticos, gamboas e várzeas, corais e correntezas – um inequívoco senso de veraneio, ar livre – repõem, no entanto, um Nordeste impressivamente complexo, histórico, digno: relíquia de velhas chuvas. Um Nordeste inventariado para a alma. Uma “terra crescida, plantada/ de muita recordação”.

Um sentimento apurado, quase metereológico da paisagem é composto por uma límpida modelagem de palavras, chegando – como quase tudo em Cardozo – a criar galerias ou uma série de vãos subterrâneos. É por esses túneis que se pode adivinhar uma sorte de passagem comum, através da qual se dá o enredo, a correspondência de toda uma realidade mais estranha e extrema do que a que estamos habituados a ver em superfície: "as coisas se estão reunindo/ por detrás da realidade”. Uma mina em que se relacionam os elementos mínimos desse lirismo da contenção. Um raro inventário de dados concretos. E Cardozo sabe avalizar esse inventário como ninguém. Em profundidade quase mística. Trata-o com intimidade e cromatismos. “Visões de alto poder plástico” é como Drummond refere-se a essa exuberância visual dos poemas cardozianos.

E essa sorte de olhar em história é filtrado por uma sensibilidade extremamente cultivada. Um olhar que se cria também a partir de leituras diversas. Cardozo era um leitor atento de Valéry. Mas especialmente de Vico – que talvez haja sido seu herói por excelência, numa época em que ainda era praticamente desconhecido no Brasil.


Mas para todos os efeitos, esse Cardozo de que falamos é o de seus dois primeiros livros, Poemas e Signo Estrelado bem como o d’O Coronel de Macambira – que estranhamente não se faz presente na edição de sua poesia completa.

Propor Cardozo como leitura é propor integridade e alternativa. Especialmente num momento em que jovens poetas brasileiros escrevem excessivamente próximos uns dos outros e de um certo registro de ocasião. Decalcando-se. Fundindo-se mais do que diferençando-se. Reverenciando uma vanguarda suspeita. Algo que assoma mesmo como uma modalidade de neo-parnasianismo.

Há algum entusiasmo em torno de um Paul Celan ou de um Francis Ponge recém-descobertos em tardividade. Mas a bossa do momento são apressadas releituras de Creeley, Palmer e de poetas experimentalistas americanos ligados ao grupo L=A=N=G=U=A=G=E e depois, quase sempre coercivamente monitoradas. Uma produção que escoa predominantemente por quatro editoras: Sette Letras (Rio); Ateliê Editorial e, mais atenuadamente, Iluminuras e 34 Letras (São Paulo). Além de pelas revistas Cult, Sibila (São Paulo) e, em menor grau, Inimigo Rumor (Rio). Editoras e periódicos que, de resto, têm exercido um papel seminal na divulgação de novas tendências em poesia. Mas que, de outro modo, também têm se prestado à divulgação dessa bossa em que há mais diluição festiva relacionada a um fenômeno de moda – como à sua vez a poesia marginal era a contraleitura nacional rala e tardia para os beats – que pesquisa empenhada ou real entendimento das somas. E há uma excessiva e condescendente necessidade de se dissociar do modernismo brasileiro – à exceção de Cabral, Murilo e, menos estavelmente, Drummond – quando a maioria sequer teve informação suficiente para saber fazer diferente desse modernismo. De suas amplitudes, ressonâncias. Das alternativas, para além desse excesso de jogo que fixou os nomes dos que são lidos em recorrência. Eis um resumo do agora.

Mas, como diz, em lucidez, um dos mais filosóficos poetas do século passado, o norte-americano George Oppen (1908-1984), “é equívoco pensar que poetas contemporâneos são os principais vetores na consolidação da obra de um jovem poeta. Isso quase sempre não é verdade”.

Dentro desse panorama, autores como Couto, Milano e Cardozo, poderiam contribuir para diversidade e enriquecimento de soluções. Especialmente no impulso de implodir com essa uniformização de momento. Também marcado pelo excesso de belo-marketing e auto-promoção. E tudo isso em prejuízo do que realmente importa: pesquisa, expressão com real marca de dígitos. Vestígio de mão humana pairando sobre objetos. Uma artesania ameaçada.

A verdade em vez da vanguarda.

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Ruy Vasconcelos. Poeta, ensaísta e tradutor. Autor de José Albano – Errante e Peregrino (2001).

Página ilustrada com obras do artista Enrique Lechuga (México).

http://www.revista.agulha.nom.br/ag33cardozo.htm

revista de cultura # 33 - fortaleza, são paulo - março de 2003

26.4.06

Fotografia

Imagem estacionada
num fio de horizonte
traçado de uma ponte
na luz dependurada

De um a outro lado
o passo da escassez
naquilo que se fez
turvo, surdo e calado

Esvoaçam pardais
que há muito já partiram
multifocais que viram
o que não se vê mais

Ainda a ponte alberga
senão dois polegares
percutindo os vagares
com uma ocular cega

Na pele, vê-se a íris
na irís arremedo
é na face levedo
e no intestino a bílis

Tempero do aparente
equilibrado óptico
variegado o pórtico
geracional de gente

Ausente numa praça
a ponte só encima
boneca de menina
em casulo de traça

Há quiçá um ancião
em pose terminal
perfume, um mineral
na mesma embarcação

Mas insiste o olhar
em ver além da inércia
o travo da solércia
a mancha linear

E vê a ponte estreita
o rio desidratado
o mineral calado
a âncora perfeita.

Lucas Tenório